segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Eu


Inoculada pelo germe da curiosidade
poço de ansiedade de saber
aplico meus sentidos
na busca do porquê das coisas.
Sendo o mundo
um segredo a ser desvendado.
Embriago-me nas perguntas
que ecoam em minha mente
sigo pendurando interrogações
nos símbolos, sons, sentimentos e ações.
Se há uma verdade a ser descoberta
talvez eu chegue lá
se não há
sei ao menos que sai do meu lugar
e explorei
me modifiquei
e sou bem mais do que já fui.
Posso assim, então, ir mais além.




alguém a quem amar

Sempre busquei-a.
Esta amizade tamanha
capaz de fazer prazeroso o fato de tê-la.

Sempre desejei-a, pois nunca a tive
nunca pude dividir
mais substancialmente o meu afeto.

essa amizade se confunde, por vezes
com uma irmandade.
Talvez seja a candura de seus gestos
ou a benevolênscia de suas palavras
até mesmo a doçura de seu olhar,
pouco importa.

Posso listar aqui diversas qualidades
não serão elas que levarão a diante o que sinto.
Será no choro nas lastimáveis e torturosas fases da vida
que se fará firmar esta afeição.

Mais vale amar um amigo em silêncio
do que ludibriar seu próprio coração,
forjando um sentimento
para não viver na solidão.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Se Deus tivesse falado

Colocarei aqui este texto para que ele não se perca de minha vida.

“Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.
Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.
Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho...
Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir.
Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim.
Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão.
Não há nada a perdoar.
Se Eu te fiz...
Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre.
Não há prêmios nem castigos.
Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um placar.
Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.


Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Vive como se não o houvesse.
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste...
Do que mais gostaste?
O que aprendeste?

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim.
Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me!
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem.
Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato?
Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?...
Expressa tua alegria!
Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora!
Não me acharás.
Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.
Baruch de Spinoza.

ALEGRIA



Tocar na inocência...
 



Aprender a olhar para o mundo como uma novidade...sempre.
A ponta do nariz é a seta que te encaminha para esse novo mundo... 



Espontâneo.
Imagine coisas...construa teu próprio mundo e tente o apresenta-lo para outras pessoas. Vamos lutar pela preservação da imaginação humana.



Esvazie tua bagagem...não há espaço para guardar antigas aprendizagens.


Viva a alegria...mas respeite e viva a tristeza se ela insiste em estar lá.


Seja o pior de ti...cometa erros...e valorize-os.
Veja em cada atitude uma possibilidade de ser você mesmo.



Palhaça Fiorela.
 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Inferno



Desdenhado por uma mulher, Satanás reuniu seus principais tentadores de Pandemônio. Perguntou às Autoridades e Poderes reunidos: "O que estamos fazendo para apressar a desumanização do homem?"

Um a um, eles responderam. os Grandes Senhores Vice-presidentes encarregados da inveja, orgulho e avareza apresentaram formidáveis relatórios; os chefes dos Birôs da luxúria e indolência leram longas listas de detalhes. Advogados dissertaram sobre falhas. Satanás, no entanto, não estava satisfeito. Nem mesmo o brilhante relatório do Chefe do Departamento da Guerra o agradou. Ouviu inquieto a leitura do longo tratado sobre proliferação de armas nucleares; brincava nervosamente com o lápis que tinha na mão durante a parte do tratado que versava a respeito da filosofia da tática de guerrilha.

Finalmente, Satanás não mais conseguiu conter a raiva. Jogou as anotações para fora da mesa e se levantou. "Declarações que servem a vocês mesmos!", ele vociferou. "Estou condenado a sentar para sempre ouvindo idiotas tentando esconder a incompetência atrás de palavras? Ninguém tem nada novo? Devemos passar o resto da eternidade tomando conta da loja como por mil anos?"

Naquele momento, o tentador mais jovem se levantou. "Com a sua permissão, meu senhor," ele disse, "eu tenho um projeto". E quando Satanás se sentou novamente, o diabo apresentou sua proposta para a criação de um Birô de Dessubstancialização. Ele alegou que a desumanização do homem estava muito lenta porque a estratégia infernal falhou em isolar o ser humano de um dos principais bastiões de sua natureza como tal. Ao se concentar em ofensas contra Deus e o próximo, o inferno falhara em corromper o relacionamento do homem com as coisas. As coisas, o tentador afirmou, como fornecedoras de prazeres únicos e surpresas individuais, contituíam elementos contínuos para reanimar as próprias capacidades que o inferno tinha dificuldade para abolir. Desde que o homem lidasse com substâncias reais, ele tenderia a se manter substancial . Portanto, o que se fazia necessário era um programa para privar o homem das coisas.

Satanás ficou muito interessado. "Mas", objetou, "como faremos isso? Na moderna sociedade afluente o homem tem mais 'coisas' do que nunca. você está dizendo que no meio de tal abundância e possuído por tão grande materialismo ele simplesmente não perceberá uma trama tão óbvia e bizarra?" "Não exatamente, meu senhor," respondeu o demônio. "Eu não pretendo tirar nada dele fisicamente. Em vez disso, devemos encorajá-lo a mentalmente se alienar da realidade. Proponho que executemos uma sistemática substituição de coisas e seres reais por abstrações, diagramas e espiritualizações. O homem deve ser ensinado a ver as coisas como símbolos - deve ser treinado a usá-las por efeito e nunca por elas mesmas. Acima de tudo, a porta para o prazer deve permanecer firmemente fechada.

"Não será tão difícil quanto parece", continuou. "O homem está tão fortemente convencido que é materialista que acreditará em qualquer coisa antes de suspeitar de nosso plano para sua destruição por meio da espiritualização. Para ter uma pequena garantia, contudo, tomei a liberdade de arranjar um exército de tele-evangelistas que continuará, como no passado, a atormentar o ser humano por ser materialista. a humanidade estará tão ocupada sentindo-se prazerosamente má que ninguém perceberá a chegada do dia que finalmente a separaremos de vez da sua realidade."
Satanás sorriu, inclinpou-se para trás e cruzou as mãos. "Excelente...", disse, "Que o trabalho comece".

BARWICK, Daniel. Apreciando esse tal de "Sorvete": Sr. Burns, satanás e felicidade. SKOBLE, CONARD, IRWIN. Os Simpsons e a Filosofia. São Paulo: Madras, 2009. p. 183- 184.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

BOCA


Vejo a boca
salivada pela sede
Ufanando seus desejos.

Boca besuntada de gostos
é percorrida
pelos movimentos do maxilar alheio.

Derrete na boca os ademanes:
dedos, língua, dentes, lábios
Daquela que te explora.

Sai da boca o calor
a carne é afligida,
o beiço geme,
as línguas enlaçadas
ganham vontades.

Assim...
a boca ganha vida!
Dispondo de  veredas,
equidistando o corpo
Desliza pela pele.

Suga a polpa
lambe o sulco
enternece cada poro
enrijecendo a penugem das coxas
O corpo vibra.

Sedenta segue
apetitando a carne que a adoça.
o corpo todo reconhece os lábios,
a boca então se fecha.
Findou seu vício.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Anseios


Bebe a sede do amor gratinada de saudades.
Embora sejas, não resguardo à lembranças passadas,
Formadas pela certeza de falta acumulada no ventre solto.
Jovens pesadelos destroem velhos sonhos,
Derrubando fronteiras que choram a grande distância.
Ao sentir o mesmo tempero,
Já apavora passar de novo no mesmo tom,
Esperar pelo que definitivamente está de mudança
E pretende não voltar.

Oração ao Tempo



Tempo
Será ele o nosso Deus?
Quanto tempo leva o tempo para se refazer?
Sereno e implacável
Unhado em nossa carne
Nos faz crescer, proliferar e enrrugar.
As vésperas de uma perca de tempo resolvo assim falar:
Estou sem tempo para fazer o que o tempo me pediu,
Sem tempo para descortinar o que ainda há em mim.
Sem tempo para relembrar o que já existiu.
Falta Tempo...
Ó Deus meu, acalenta minha existência, afaga meu viver.
Tempo, não passe voando! Fique aqui, preciso de ti.
Quero ver o brilho nos olhares, 
quero sentir todos esses perfumes
conhecer todos os sabores
sonhar como todos os mundos que posso criar
Dai-me um pouco mais de ti.  


Linda canção de Caetano Veloso

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Tempestade dentro de mim


Fui solidificando algo aqui dentro,
batia feroz
era vivo.


A sutileza sumiu
a mão agora pesa
o olhar é rispido
o devaneio quase não existe.


Queria deitar e sentir o ar sair dos pulmões.


Agora é tudo corda bamba
concentração,
para andar na linha da vida
é preciso suar frio, é preciso cautela
pisando firme com os dois pés, mantenho o equilíbrio que se exige.


Assim vou me perdendo de mim mesma,
definhando.

Encerro o capítulo
que era pra se escrever todo torto
assim como eu,
mas obedeci as regras e agora lhe entrego
sem assinar embaixo, sem minha digital.

É o nada,
que transborda.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Lá fora a rua vazia, chora.



          Meditava sobre a minha condição, perdido no deserto e ameaçado, nu entre a areia e as estrelas, afastado por um longo silêncio dos pólos da minha vida [...] Era apenas um mortal perdido entre a areia e as estrelas, consciente da única doçura de respirar...
         Contudo eu me descobria cheio de sonhos. Sonhos que me vinham em silêncio, como água de nascente, sem que eu compreendesse, a princípio, a doçura que me invadia. Não houve imagens nem vozes, mas o sentimento de uma presença, de uma ternura próxima, que eu já adivinhava. Então compreendi e me abandonei, de olhos fechados, aos encantamentos da memória.
         Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros escuros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco me importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor meu corpo, nem me abrigar, reduzida apenas a um sonho; bastava que ela existisse para que minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado. E chegava mesmo até mim o coaxar das rãs nos charcos próximos. Precisava desses mil sinais para reconhecer a mim mesmo, para descobrir de quantas ausências era feito o gosto daquele deserto, para achar um sentido naquele silêncio feito de mil silêncios, naquele silêncio em que até as rãs emudeciam.
Não, eu não me estirava mais, solitário entre a areia e as estrelas.
         Da paisagem recebia apenas uma fria mensagem. Mesmo aquele gosto de eternidade que eu pensei viesse do deserto tinha outra origem. Eu revia os grandes armários solenes da casa. Eles se entreabriam mostrando pilhas de lençóis alvos como a neve [...]
Ah, eu bem te devo uma página! Quando eu voltava de minhas primeiras viagens, Mademoiselle, eu te encontrava coma agulha na mão, afundada até os joelhos em tua sobrepeliz branca, cada ano um pouco mais enrugada, os cabelos um pouco mais alvos [...] Quando era menino já vivia rasgando as camisas – ah, que infelicidade! – Já vivia esfolando os joelhos e depois vinha correndo para casa, como naquela tarde, para que tratassem de mim.
         Mas não, não, Mademoiselle! Não era mais o fundo do parque que eu vinha agora; era dos confins do mundo. E trazia comigo o odor acre das solidões, o turbilhão dos ventos de areia, as luas deslumbrantes dos trópicos!
          Eu sei, eu sei – tu me dizias –, os meninos são assim, pensam que são muito fortes, vivem em correrias, se machucam todos. Mas não, não Mademoiselle, eu havia ido além do parque. Ah, se soubesses como essas sombras do parque são pouca coisa! Como parecem perdidas entre os areais, as rochas, as florestas virgens, os charcos de terra! Sabes, ao menos, que há terras em que os homens, logo que enxergam a gente, apontam suas carabinas? Sabes que há desertos, Mademoiselle, em que a gente dorme numa noite gelada, sem teto, sem cama, sem um lençol, Mademoiselle?
        E tu dizias: – Ah, menino...
        Eu não abalava a tua fé como não abalaria a fé de uma velha serva da Igreja. Lamentava o teu destino humilde que te fazia cega e surda... Mas esta noite, no Saara, sozinho entre a areia e as estrelas, eu te faço justiça.
       Não sei o que se passa em mim. Esta força de gravidade me liga ao chão quando tantas estrelas são imantadas. Uma outra força de gravidade me prende a mim mesmo. Sinto o peso que me une a tantas coisas! Meus sonhos são mais reais que estas dunas, estas dunas, esta lua, estas presenças. Oh, o que há de maravilhoso numa casa não é que ela nos abrigue e conforte, nem que tenha paredes. É que deponha em nós, lentamente tantas providências de doçura. Que forme, no fundo de nosso coração, essa nascente obscura de onde correm, como água da fonte, os sonhos...

Terra dos homens, de Saint-Exupéry