De todas as artes a mais bela, a mais expressiva, a mais difícil é
sem dúvida a arte da palavra. De todas as mais se entretece e se compõe.
São as outras como ancilas e ministras: ela soberana universal.
Da estatuária toma as formas, da arquitetura imita a regrada
estrutura de suas fábricas; da pintura copia a côr e o debuxo de seus
quadros; da música aprende a variada sucessão de seus compassos e
melodias; e sobre todos estes predicados tem, mais do que as outras
artes, a vida, que anima os seus painéis, a paixão, que dá novo
esplendor às suas tintas, o movimento, que intima aos que a escutam e
admiram, o entusiasmo e a persuasão.
A estátua fala, mas fala como uma interjeição, que apenas expressa um
sentimento vago, indefinido, momentâneo. A pintura fala, mas fala como
uma frase breve em que a elipse houvera suprimido boa parte dos
elementos essenciais. O edifício fala, mas fala como uma inscrição
abreviada, que desperta a memória do passado sem particularizar os
acontecimentos a que alude. A música fala, mas fala apenas à
sensibilidade, sem que o entendimento a possa claramente discernir.
Só a palavra, nas artes a que é matéria prima, fala ao mesmo tempo à fantasia e à razão, ao sentimento e às paixões. Só ela, Pigmalião prodigioso, esculpe estátuas que vão saindo vivas e animadas
da pedra ou do madeiro, onde as delineia e arredonda o seu buril. Só a
palavra, mais inventiva do que Zêuxis, sabe desenhar e colorir figuras e países,
com que se ilude e engana a vista intelectual. Só a palavra, mais audaz
que os Ictinos e os Calícrates, traça, dispõe, exorna e arremessa aos
ares monumentos mais nobres e ideais que o Partenão de Atenas. Só a
palavra, mais comovedora e persuasiva do que o pletro dos Orfeus,
encadeia à sua lira mágica estas feras humanas ou desumanas, que se
chamam homens, arrebatados e enfurecidos nas mais truculentas
alucinações.
(Oração da Coroa, introd., p. XVII, da 2.a edição.)