sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Inferno



Desdenhado por uma mulher, Satanás reuniu seus principais tentadores de Pandemônio. Perguntou às Autoridades e Poderes reunidos: "O que estamos fazendo para apressar a desumanização do homem?"

Um a um, eles responderam. os Grandes Senhores Vice-presidentes encarregados da inveja, orgulho e avareza apresentaram formidáveis relatórios; os chefes dos Birôs da luxúria e indolência leram longas listas de detalhes. Advogados dissertaram sobre falhas. Satanás, no entanto, não estava satisfeito. Nem mesmo o brilhante relatório do Chefe do Departamento da Guerra o agradou. Ouviu inquieto a leitura do longo tratado sobre proliferação de armas nucleares; brincava nervosamente com o lápis que tinha na mão durante a parte do tratado que versava a respeito da filosofia da tática de guerrilha.

Finalmente, Satanás não mais conseguiu conter a raiva. Jogou as anotações para fora da mesa e se levantou. "Declarações que servem a vocês mesmos!", ele vociferou. "Estou condenado a sentar para sempre ouvindo idiotas tentando esconder a incompetência atrás de palavras? Ninguém tem nada novo? Devemos passar o resto da eternidade tomando conta da loja como por mil anos?"

Naquele momento, o tentador mais jovem se levantou. "Com a sua permissão, meu senhor," ele disse, "eu tenho um projeto". E quando Satanás se sentou novamente, o diabo apresentou sua proposta para a criação de um Birô de Dessubstancialização. Ele alegou que a desumanização do homem estava muito lenta porque a estratégia infernal falhou em isolar o ser humano de um dos principais bastiões de sua natureza como tal. Ao se concentar em ofensas contra Deus e o próximo, o inferno falhara em corromper o relacionamento do homem com as coisas. As coisas, o tentador afirmou, como fornecedoras de prazeres únicos e surpresas individuais, contituíam elementos contínuos para reanimar as próprias capacidades que o inferno tinha dificuldade para abolir. Desde que o homem lidasse com substâncias reais, ele tenderia a se manter substancial . Portanto, o que se fazia necessário era um programa para privar o homem das coisas.

Satanás ficou muito interessado. "Mas", objetou, "como faremos isso? Na moderna sociedade afluente o homem tem mais 'coisas' do que nunca. você está dizendo que no meio de tal abundância e possuído por tão grande materialismo ele simplesmente não perceberá uma trama tão óbvia e bizarra?" "Não exatamente, meu senhor," respondeu o demônio. "Eu não pretendo tirar nada dele fisicamente. Em vez disso, devemos encorajá-lo a mentalmente se alienar da realidade. Proponho que executemos uma sistemática substituição de coisas e seres reais por abstrações, diagramas e espiritualizações. O homem deve ser ensinado a ver as coisas como símbolos - deve ser treinado a usá-las por efeito e nunca por elas mesmas. Acima de tudo, a porta para o prazer deve permanecer firmemente fechada.

"Não será tão difícil quanto parece", continuou. "O homem está tão fortemente convencido que é materialista que acreditará em qualquer coisa antes de suspeitar de nosso plano para sua destruição por meio da espiritualização. Para ter uma pequena garantia, contudo, tomei a liberdade de arranjar um exército de tele-evangelistas que continuará, como no passado, a atormentar o ser humano por ser materialista. a humanidade estará tão ocupada sentindo-se prazerosamente má que ninguém perceberá a chegada do dia que finalmente a separaremos de vez da sua realidade."
Satanás sorriu, inclinpou-se para trás e cruzou as mãos. "Excelente...", disse, "Que o trabalho comece".

BARWICK, Daniel. Apreciando esse tal de "Sorvete": Sr. Burns, satanás e felicidade. SKOBLE, CONARD, IRWIN. Os Simpsons e a Filosofia. São Paulo: Madras, 2009. p. 183- 184.

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